Quem já viu fotos da capital da Argentina ou visitou a cidade deve ter reparado em certas pinturas muito características e recorrentes que aparecem por lá. Painéis com cores gritantes, letras garrafais, arabescos com flores, folhas, gavinhas retorcidas e simétricas, acompanhadas por paisagens, retratos e frases. São pinturas com aquele ar gostoso de início de século XX, e dão aquele clima vintage que remete à casa da avó, sabe? Então. Este estilo de pintura nasceu nas fábricas de carroças de Buenos Aires, no finalzinho do século 19. Senhoras e senhoras, eis o filete portenho!
O nascimento do fileteado
O filete portenho nasceu nas fábricas de carroças e charretes de Buenos Aires, pelas mãos habilidosas dos imigrantes europeus. Italianos, conforme aponta o fileteador e artista visual Alfredo Genovese. Embora o nascimento do estilo não tenha sido documentado, podemos contar com os testemunhos daqueles que herdaram a técnica de seus pais. Os relatos coincidem ao informar que foram três imigrantes italianos que iniciaram – quase ao mesmo tempo – o desenvolvimento do fileteado: Cecilio Pascarella, Vicente Brunetti e Salvador Venturo.
Segundo Alfredo Brunetti foi seu pai – don Vicente – quem iniciou o ofício, ao aplicar uma cor intensa sobre as carroças do município. Já Miguel Venturo, filho de Salvador, foi quem incorporou a maioria dos motivos que se vê nos filetes: folhas, flores, bolinhas, cenários e frases. O filetea’o – assim, pulando a pronúncia do “d”, como os portenhos falam – conta também com cores vivas e contrastantes, que geram uma sensação de volume. A simetria e a conceitualização simbólica de elementos também estão sempre presentes.

Estilo, elementos e popularização
A ornamentação remete ao estilo neoclássico, art noveau e gruttesco, copiados dos diferentes elementos decorativos da época. Os filetes buscavam inspiração nos bares, fachadas arquitetônicas e vitrais.
Os temas populares são os que mais aparecem. Carlos Gardel e a Virgem de Luján são os campeões. Bandeiras e flâmulas com as cores da Argentina também estão sempre presentes, como elemento quase obrigatório. Além destes, paisagens do campo, manifestações patrióticas, clubes de futebol e frases da Sabedoria Popular™ compõem o repertório.
As frases, especialmente, provam que os filetes não eram utilizados somente como ornamentação artística, mas também como forma de expressão sociocultural dos cidadãos portenhos do início do século XX.
Com a chegada dos veículos automotores, os filetes migraram das carroças para colorir o cinza dos autobuses e os caminhões de Buenos Aires.


O (quase) desaparecimento do filete portenho
Quando tudo parecia encaminhar-se para a popularização, o fileteado quase acabou extinto. Embora estivesse muito presente na cultura popular, o filete não era encarado como uma “arte séria” pelos críticos e estudiosos de pictórica. Tanto é verdade, que a primeira exposição temática foi organizada somente nos idos de 1970, mais de meio século após o surgimento das primeiras manifestações.
Pouco depois da exposição, veio o golpe-quase-fatal. Uma lei nacional chegava para proibir o fileteado nos coletivos e autobuses da capital argentina (Ordenança SETOP 1606/75). Além disso, o fechamento das fábricas de carroças e carrocerias, e a morte de muitos dos mestres do fileteado fez com que a colorida expressão artística portenha ficasse por um fio. Porém a Arte, quando se vê encurralada e proibida, quase sempre se reinventa.

O renascimento do fileteado
A partir da proibição de pintar os ônibus, os fileteadores tiveram que se virar. Não demorou muito para que os artistas percebessem que a Arte era o filete, e não o suporte onde ele se encontrava. E assim a criatividade tomou conta. Começaram a pintar placas, paredes, fachadas, anúncios… O filete adquiriu uma nova, impensada e inesperada autonomia. Assim que o filetea’o reencontrou o caminho do coração dos portenhos. E de lá nunca mais saiu. O filete hoje está presente como marca indissociável da cultura argentina. Como as calaveras para a cultura mexicana.

O filete portenho hoje
Recentemente, em 2015, o filete foi reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Imaterial da Humanidade. É encontrado em placas, painéis e murais, camisetas e moda em geral, peças publicitárias, objetos como tênis e máquinas de costura ornamentadas… e até tatuagens!
Depois de tudo o que passou entre criação, proibição, quase-morte e renascimento, o filete está consolidado. É considerado uma expressão artística tipicamente portenha e um dos símbolos da cultura do país, juntamente com o tango.






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Fontes:
http://www.fileteado.com/fileteado_porteno.php
http://vidaportenha.blogspot.com.br/2008/11/filete-portenho.html
http://aguiarbuenosaires.com/filete-portenho-arte-popular-de-buenos-aires/
http://www.correiodopovo.com.br/ArteAgenda/Variedades/Cultura/2015/12/573516/Filete-portenho-entra-na-lista-de-patrimonio-imaterial-da-Unesco
https://noticias.uol.com.br/ultnot/2004/08/08/ult1817u1702.jhtm
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fileteado
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